O caminho absurdo até certos livros
Quando nossas leituras são influenciadas pelo imponderável
Uma livraria salvou alguém num momento de aperto durante a viagem de férias por Porto Rico. O banheiro entre livros foi o primeiro que o desesperado ou a desesperada encontrou pelo caminho. Como demorou algum tempo para se aliviar, sua companhia circulou pela estantes vasculhando os exemplares. A ideia era fingir interesse enquanto as coisas se acertavam no reservado.
A pessoa que ficou pelo salão já tinha suas leituras separadas para as férias. Não pensava em comprar nada, não queria mais peso para levar entre uma praia e outra. Só que a vida tem seus caprichos. Acabou que encontrou uma edição de contos completos de Gabriel García Márquez, volumão de 512 páginas.
A busca por socorro durante o aperto de uma pessoa levou outra a se maravilhar com as histórias breves de Gabo. “Acabei bem feliz com a minha compra. Vida longa para as livrarias com banheiro”, lemos no relato que me chegou pelo Twitter.
De certa forma, é uma variação da newsletter que escrevi sobre o mistério que nos leva a algum livro, à próxima leitura. Aqui, no entanto, qualquer ordem possível é atropelada pelo imponderável.
Nas últimas semanas uma influência mais previsível tem ajudado a definir boa parte das leituras. Estarei na Espanha entre dezembro e janeiro (aceito dicas!), então tenho privilegiado títulos de autores e autoras do país ibérico ou narrativas ambientadas por lá.
Finalmente li a lucidez de Rosa Montero. Circulei pelas montanhas de Irene Solà e Sara Mesa. Conheci as tristes belezas de Manuel Vilas. Revisitei Vila-Matas e seu decadente editor literário. Revi quadrinhos de Ángel de la Calle, Antonio Altarriba, Kim, Manuel Gutiérrez, Manuel Romero e Carlos Giménez. Ainda estão por perto Aixa de la Cruz e Brenda Navarro, que, por mais que seja mexicana, parece ter algo a contribuir.
Contar com a iminência de uma viagem para instaurar uma nova organização de leitura é tão previsível quanto subordinar o que ler a obrigações profissionais. Quando vi a história no Twitter, outra trilha realmente inusitada até um livro me veio à mente.
Acho que era abril. Assistia a um filme iraniano enquanto tomava um negócio ou outro numa noite de sábado. Além da boa história, a aparência de um dos personagens me inquietava. Tinha a impressão de ter encontrado aquele sujeito num passado recente.
Filme vai, copo vem. Num lampejo notei que o ator iraniano era a cara do Tiago Feijó, escritor com quem estivera alguns meses antes. Na ocasião Tiago me presenteou com a edição portuguesa do seu romance mais recente, “Doze Dias”.
Quando o filme terminou, não tinha a menor dúvida de qual seria o livro que sacaria da estante. Só podia ser um sinal para que eu desse uma atenção para o trabalho de Tiago. E gostei do que li, compartilhei minhas impressões com os leitores da coluna do Uol.
Reencontrei o Tiago no mês passado e contei a história para ele, que riu. Só não consegui descobrir quem era o ator. Pelas imagens do Google, ninguém no elenco daquele filme se parecia minimamente com o escritor.
É outro exemplo de como até as peças que o corpo prega podem levar a boas leituras. Comigo foi a cabeça, com a leitora que passeava pelo Caribe, a barriga alheia.
Quero saber: qual foi o caminho mais inusitado que vocês fizeram até um livro?
Dicas para escolher a próxima leitura
Outro dia recebi uma mensagem bem gentil de um assinante da newsletter, o Gustavo. Ele falou sobre o interesse crescente pela leitura e mencionou certa pressa, pois acabou de festejar seus 50 anos. Definiu-se ainda como um leitor amador, algo que, em essência, todos somos, não!?
Agenda na Flip
Vai para a Festa de Paraty? Estarei por lá e participarei das seguintes mesas:
Dia 23, 11h, Sesc Santa Rita - Narrativas em jogo: faço a mediação do papo entre Tainá Félix e Flávia Gasi.
Dia 23, 16h, Casa Pagã - Da estrada à estante: participo da mesa ao lado de Henrique Rodrigues e Camila Carrascoza Bonfim. A mediação é de Marcelo Nocelli.
Dia 25, 12h05, Casa Publishnews - Uma entrevista em mão dupla sobre leitura e literatura: papo com Xico Sá.
Dia 26, 14h, Sesc Santa Rita - Vez, voz e verso: faço a mediação do papo entre Roberta Estrela D’alva, Sérgio Vaz e Conceição Evaristo.
Apareça!
Flip: modo de usar
O principal conselho que posso dar para quem irá para a Flip: vá leve, vá solto. O que isso significa? Dê uma boa olhada na programação principal, pesquise com uma atenção ainda maior a gigantesca programação paralela. Tenha uma ideia do que quer realmente ver, mas não se atole de compromissos, não crie uma agenda sem e…
Como um escritor ganha dinheiro?
Insisto num assunto com alguns amigos do meio literário e editorial: precisamos falar sobre grana, sobre como nossas atividades viram dinheiro. Pagar as contas e sobrar algum para viver é fundamental para seguirmos em frente.
Gostei que o
levou o assunto para a newsletter dele:Também já escrevi a respeito por aqui:
Como paga as contas quem escreve sobre livros?
Outro dia levei um susto. Uma pessoa leu e resenhou “A Biblioteca no Fim do Túnel: Um Leitor em seu Tempo”, livro que lancei há pouco pela Arquipélago. Publicou o texto em algumas plataformas e, simpática, avisou. Em seguida veio a fatura. Sim, pedia que eu pagasse pela resenha. Sugeria algo entre 80 e 150 reais. Passo…
🍷 Azal pro calor
Tem feito um calor inclemente em São Paulo. Sei que em boa parte do Brasil a desgraça é a mesma. Acho que já falei dessa uva por aqui, mas reforço. Poucas combinam tão bem com esses dias de quentura estúpida quanto a azal.
É uma casta menos conhecida da região de Vinho Verde, em Portugal. Faz brancos bem leves, refrescantes, com boa acidez. Tem vários rótulos no mercado, alguns com preços bem bons.
O principal conselho também já dei outras vezes: procurem por vinhos jovens. Os de 2021 já estarão um tanto cansados. Se acharem de 2022 ou 2023 mesmo, melhor.
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝O que esperar do novo livro de Gabriel García Márquez?
📝 Festa do Livro da USP: Ponto alto do ano para um leitor de bolso vazio.
🎙️ Kalaf Epalanga e as muitas faces da língua ‘pretuguesa’:
📝 Livros para conhecer melhor a Palestina.
📝 Livros proibidos em Santa Catarina: Brasil normalizou a censura?
certa feita, andando pelas ruas de Porto de Galinhas - Pernambuco, à procura de algum bar, topei com uma geladeira velha com um exemplar do Decamerão dentro e trouxe comigo para a Bahia. Segue aqui na estante, não li ainda. talvez leia quando tiver planos de retornar à cidade e devolvê-lo, caso a velha geladeira ainda esteja por lá.
Rodrigo, se puder, leia "A Praça do Diamante" da Mercè Rodoreda. É fenomenal. Lemos no Clube Nevoeiro da Carol Bensimon.
Vou aproveitar a oportunidade aqui para te parabenizar pelo episódio do podcast com o Kalaf Epalanga, está muito legal.