📚 O mistério da escolha e os livros que merecem mais leitores
Tenho certeza de que cada leitor poderia elaborar uma lista respeitável de livros que merecem chegar a mais leitores
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Aqui, Rodrigo Casarin. Sou jornalista e vivo entre livros.
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O mistério da escolha e os livros que merecem mais leitores
Alguém no Twitter comentou como “O Ruído das Coisas ao Cair” foi pouco lido por aqui. O livro de Juan Gabriel Vásquez, um dos grandes escritores contemporâneos da Colômbia, merecia mesmo atenção maior. O romance parte dos hipopótamos de Pablo Escobar para retratar uma geração marcada pela violência do narcotráfico. A edição brasileira saiu em 2013 pela Alfaguara. Resenhei “O Ruído das Coisas ao Cair” para o Rascunho. Não lembro quando o texto saiu e temo revisitar escritos tão antigos.
Em alguma medida, o que faz um leitor se dedicar ou não a determinado livro permanece como mistério. Seguimos outros leitores em quem confiamos, lemos resenhas, assistimos a vídeos, damos atenção a sinopses e passeamos por histórias diversas em folheadas rápidas. Acompanhamos lançamentos, tentamos driblar o marketing, somos bombardeados pelo hype, procuramos conhecer os clássicos e vasculhamos estantes de livrarias.
O que faz, afinal, optarmos por uma obra, não por outra? Alguns trabalhos logo cruzam o caminho de uma quantidade enorme de leitores. Outros, apesar da qualidade, parecem aguardar pacientemente a sua vez de, quem sabe um dia, ocupar o centro das atenções literárias.
Veja o caso dos dois últimos vencedores do Nobel. A francesa Annie Ernaux, já bem lida antes do prêmio, foi catapultada a um enorme sucesso após a nomeação dos suecos. Enquanto isso, pouco ouvimos falar sobre o trabalho do tanzaniano Abdulrazak Gurnah, vencedor em 2021. E não é por falta de virtudes. Quem leu sabe que “Sobrevidas” (Companhia das Letras), com seus choques entre guerras e sonhos, é um livro elogiável.
Tenho certeza de que cada leitor poderia elaborar uma lista respeitável de livros que merecem mais (ou ainda mais) atenção de outros leitores. Pesco alguns pensando só num passado meio recente da literatura brasileira. O belo e sensível “A Imensidão Íntima dos Carneiros”, de Marcelo Maluf (Reformatório). As desgraceiras construídas com a linguagem afiada de Edyr Augusto em seus “Moscow” e “Pssica” (Boitempo). A adorável égua e o trabalho com alternância de narradores que deixa a gente encafifado em “Os Donos do Inverno”, de Altair Martins (Dublinense).
Não sei se “Com Armas Sonolentas”, de Carola Saavedra (Companhia das Letras), foi exatamente pouco lido, mas tenho essa sensação. Caso alguém se anime e curta o romance com boa pegada onírica, vale engatar a leitura de “O Manto da Noite”, ainda mais misterioso e etéreo, e o ensaio “O Mundo Desdobrável” (Relicário).
Depois de conquistar um bom público por aqui com a trilogia iniciada com “Morra, Amor”, pensei que Ariana Harwicz provocaria barulho com o seu “Degenerado” (Instante). Num país onde Mia Couto é tão incensado, o também moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa merecia mais leitores para “Gungunhana: Ualalapi e As Mulheres do Imperador” (Kapulana). E confio que mais gente descobrirá os incômodos que a chilena Andrea Jeftanovic provoca com os contos de “Não Aceite Caramelos de Estranhos” (Mundaréu).
Após ler a edição da Benvirá de “Pássaros na Boca”, isso lá por 2014, passei anos pregando o nome de Samanta Schweblin. Hoje publicada pela Fósforo, fico bem contente ao notar que, enfim, a argentina vem colecionando admiradores no Brasil (leiam a entrevista que fiz com ela). Muitas vezes demora mesmo para que uma quantidade maior de leitores descubra determinados autores. Faz parte. Na literatura, o tempo do reconhecimento de um público amplo, quando existe, é quase sempre mais moroso do que desejamos.
🗣️ Vocês, claro, estão convidados a deixar nos comentários quais outros livros e autores merecem mais atenção dos colegas leitores!
Já temos diversos livros indicados lá no Twitter:
Sobre o novo gênio de cada semana
“O século XX, o grande credor, foi o que viu nascer e morrer mais obras-primas em menos tempo, e com o passar dos anos o número de obras-primas multiplica-se exponencialmente, assim como o seu tempo de permanência no pódio das vencedoras resulta cada vez reduzido, tendo em conta que a cada dia é maior o número de aspirantes a gênios”.
Sempre queremos ler mais do que conseguimos. Carregamos a sensação de não dar atenção a muitos autores que mereceriam o nosso tempo. Faz parte da vida de leitor. Mas vamos com calma. Vale ler esse artigo do escritor espanhol Andrés Trapiello traduzido pelo pessoal do Letras In.verso e Re.verso. O jeito é saber lidar com as tensões.
Arte X Pedagogia
Entre a última newsletter e esta, mais livros retalhados e modificados. Desta vez o alvo foi o britânico Roald Dahl, autor morto em 1990 que deixou títulos como “Matilda” e “A Fantástica Fábrica de Chocolates”. Como lidar com textos que podem ofender parte dos leitores? Passei pelo assunto há pouco tempo, quando estava em pauta uma discussão sobre o racismo em “Moby Dick”, do Melville.
A partir do que fizeram ou pretendiam fazer com a obra de Dahl, destaco o artigo de Bruno Molinero para a Folha. O Bruno toca num ponto que deveria receber mais atenção: como é comum pessoas olharem para livros infantis pensando apenas no aspecto pedagógico, como se uma obra de arte tivesse a obrigação de ensinar algo. Um trecho:
“Livros para crianças e adolescentes ainda penam para serem lidos como experiências estéticas e narrativas. No fundo, sempre são encarados por pais, professores, governos, jornalistas e editores como meros braços pedagógicos, com objetivos específicos”.
☕️ Um café
O café da Fazenda Pessegueiro não brilha, mas também não faz feio. Carrega as características que costumam vir à cabeça quando falamos na bebida. É um bom representante do café com jeitão de café, digamos. Não é difícil encontrá-lo em mercados, por isso indico para quem pensa em começar a descobrir os cafés em grãos. Importante: olhe a data de fabricação nas embalagens e procure sempre pelas torras mais recentes. O tempo é um dos grandes inimigos do café (como da maioria das bebidas, aliás, inclusive dos vinhos).
📚 O que chegou por aqui
“Os melhores momentos de Ramón Ribeyro residem na firmeza com que conduz personagens e situações a desenlaces tanto fulminantes quanto furtivamente cruéis… É um autor que ganha no detalhe, naquilo que deixaríamos de lado, seja um maço de cigarros ou uma aleatória conversa sobre o final perfeito para um crime que parece impossível de ser realizado sem criar suspeitas”.
É o que o colega Schneider Carpeggiani escreve no Suplemento Pernambuco sobre Julio Ramón Ribeyro, um dos grandes nomes da literatura peruana no século 20. “Ausente Por Tempo Indeterminado” é uma coletânea de contos que acaba de chegar por aqui pela Carambaia. A tradução é de Ari Roitman e Paulina Wacht.
Errei: “Santa Evita”, de Tomás Eloy Martínez, chega aos leitores pela Companhia das Letras, não pela Alfaguara, como escrevi no e-mail da edição passada da newsletter 🥴
📚O que vem por aí
É admirável o trabalho que o também colega Ramon Vitral faz na cobertura do mercado de histórias em quadrinhos. O cara é uma grande referência para mim quando o assunto é HQ. Agora, parte da produção de Ramon virará livro. “Vitralizando - HQs e o Mundo” reúne entrevistas e reportagens que o jornalista e crítico fez nos últimos dez anos. A obra está em pré-venda no site da editora MMarte. Além do Vitralizando, seu blog, Ramon já escreveu sobre quadrinhos para lugares como Folha, Estadão, O Globo, Estado de Minas, Uol e Itaú Cultural, onde manteve uma coluna entre 2019 e 2021.
📚 O que poderia vir
De autoria do escritor, historiador e político português Rui Tavares, “Agora, Agora e Mais Agora: Seis Memórias do Último Milênio” é uma das maiores preciosidades que temos no mundo dos podcasts. A série de ensaios passa por temas como fanatismo, a expansão das fronteiras e a evolução da ideia de direitos humanos para mostrar como encruzilhadas do mundo atual são muitas vezes parecidas com enrascadas dos últimos mil anos.
O projeto nasceu com a ideia de ser um livro, virou podcast por conta da quarentena e agora, enfim, ganha as páginas impressas. Que, por favor, alguma editora traga os 7 volumes da coleção publicada em Portugal numa parceria do jornal O Público com a Tinta-da-China - casa que já publicou Rui aqui no Brasil.
🍷 Três vinhos (que azedaram)
Tenho certeza de que todos vocês ficaram sabendo e seguem acompanhando as denúncias sobre a utilização de trabalhadores tratados como escravos contemporâneos na colheita de uvas na Serra Gaúcha. Até aqui, três vinícolas estão umbilicalmente ligadas ao crime: Salton, Aurora e Garibaldi. Se pudesse, apagaria da história qualquer indicação a vinhos dessas empresas. Aqui uma das muitas reportagens chocantes. E um episódio do Viracasacas sobre o assunto:
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝 Mensagens no colofão: um capricho ignorado por muitos leitores.
📝 O patético final de Salazar, ditador feito de tonto até a sua morte.
🎙️ Papo com o poeta Ricardo Aleixo, que acaba de lançar “Sonhei com o Anjo da Guarda o Resto da Noite”:
📝 O dia em que Rita Lee roubou duas cobras de Alice Cooper.
🎙️ Você é curioso? Papo com o jornalista e escritor Marcelo Duarte, que há pouco lançou “Parabéns a você!”:
"Nas trevas, é vital se lembrar de que também vivemos na luz e que a luz não é menos verdadeira que as trevas" - trecho de “Ioga”, de Emmanuel Carrère.
Um autor que merece ser mais lido é o mexicano David Toscana. Principalmente o seu "Santa Maria do Circo".
tenho pensando muito nas escolhas que fazemos e como acabamos lendo todos a mesma coisa. pelo menos essa é a minha sensação ao ver feed da galera.