Como paga as contas quem escreve sobre livros?
A ética não pode ser chutada dessa conversa
Outro dia levei um susto.
Uma pessoa leu e resenhou “A Biblioteca no Fim do Túnel: Um Leitor em seu Tempo”, livro que lancei há pouco pela Arquipélago. Publicou o texto em algumas plataformas e, simpática, avisou.
Em seguida veio a fatura. Sim, pedia que eu pagasse pela resenha. Sugeria algo entre 80 e 150 reais. Passou a chave do pix e tudo. Demorei um pouco para acreditar naquilo. Desconhecia esse, digamos, formato de negócio.
Respondi com a única resposta possível: não havia solicitado serviço algum e jamais pagaria para alguém escrever um texto desses ( supostamente crítico, pois, nesses termos, impossível não desconfiar do olhar empregado na análise) sobre o meu trabalho. Ficou por isso mesmo.
Já perdi a conta de quantas vezes escutei a pergunta: quanto você cobra para falar a respeito do meu livro? A resposta é sempre a mesma: nada. Posso até aceitar um exemplar da obra, mas só irei falar dela se, quando e da forma como eu quiser falar. O mesmo vale para entrevistados do podcast, citados da newsletter ou seja lá o que for.
Por aqui é regra: não recebo dinheiro de autores ou de editoras para escrever sobre determinados títulos ou assuntos. Sugestões são bem-vindas, mas quem determina as pautas e o tom do que publico na Página Cinco sou eu. Não há nada escuso ou nebuloso por trás dos elogios e pedradas que pintam nas resenhas ou indicações.
É claro que o trabalho precisa gerar grana. O que o Uol me paga para tocar a coluna junto com o dinheiro que levanto fazendo mediações, ministrando oficinas, escrevendo para outros cantos, participando de júris e topando quase tudo o que pinta pela frente que garante não só essa independência, mas que eu siga firme na carreira.
Na edição passada da newsletter conversei com vocês sobre uma alternativa que tenho em mente para ampliar as fontes de renda (obrigado pelas muitas respostas e ideias, aliás). Como nunca se tem garantia de quando, quanto e de onde a grana virá, é sempre prudente diversificar, aumentar o leque de possibilidades. Fico feliz quando encontro gente de qualidade sendo bem remunerada pelo próprio público.
Numa época de pindaíba dos grandes veículos, descentralização da produção e jornalistas, críticos ou produtores de conteúdo tendo que se transformar no seu próprio negócio, compreensível que cada um procure pela melhor forma para pagar as contas no final do mês.
Não há fórmulas, todo mundo está tateando para encontrar um caminho possível e minimamente afável para si. Só precisamos cuidar para que a ética não seja chutada de vez de qualquer conversa.
Conheço gente muito séria, cujo trabalho acompanho e admiro, que faz publis. Não é a minha praia, apesar de que toparia trabalhar com produtos de fora do meio editorial (alô, povo dos vinhos, cafés, cervejas, cachaças, comidas…). Não condeno alguém simplesmente por essa decisão.
Sendo transparente, deixando bem claro que aquilo lá é bancado por pessoa ou empresa diretamente interessada naquele conteúdo, beleza. Em muitos casos, é o que tem pra hoje. O leitor, o espectador, o ouvinte que conclua se o material tem valor ou não.
Só espero que nessa babel não me confundam com quem está nas redes para viver de adulações ou pedir dinheiro para autor. Definitivamente, não é esse o objetivo do trabalho.
E vocês, o que pensam disso?
Me digam nos comentários:
O livro
No ótimo “O Infinito em um Junco”, da espanhola Irene Vallejo (Intrínseca, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht), que fui pescar a epígrafe do meu “A Biblioteca no Fim do Túnel: Um Leitor em Seu Tempo”.
Além do site da Arquipélago, “A Biblioteca no Fim do Túnel” já está disponível em diversas livrarias: da Vila, da Travessa, Martins Fontes, Amazon…
Fandom x crítica
Outro dia a Folha publicou uma longa análise de “Monsters - A Fan’s Dilemma”, livro de Claire Federer sobre o que fazer diante da boa arte produzida por gente desprezível. Um trecho do texto sobre um outro aspecto da indústria cultural me chamou atenção:
“O ‘fandom’ é a expressão máxima da mercantilização contemporânea da arte e de como lidamos com a criação artística como sociedade”.
Conecto essas aspas com um post recente do Braulio Tavares em seu Mundo Fantasmo. Escreve ele sobre o embate entre fãs (cada vez mais fortes) e críticos (cada vez mais escanteados) de cinema:
“Eu leio os críticos, afinal, não na expectativa de que concordem com a minha opinião, mas para que a enriqueçam”.
Reforço o convite para que leiam o Braulio.
Papo com Selva Almada
Vale reservar meia hora para ver a entrevista que o Vinicius Barbosa, do Latina Leitura, fez com a argentina Selva Almada, autora dos ótimos “Garotas Mortas”, “Não é Um Rio” e “O Vento que Arrasa”, que enfim será relançado por aqui - a atual casa da autora no Brasil é a Todavia.
Está no Youtube. Também está na
, com direito a transcrição de parte do papo:🍷 Um vinho
Arrisquei e me dei bem. Evito ao máximo comprar em mercados vinhos com mais de três anos de idade. No geral, diferente do que mentem por aí, vinho não envelhece bem. Há exceções, claro.
Os vinhos da Bairrada, região de Portugal, muitas vezes aguentam bem o passar dos anos - tem a ver com a uva mais famosa do lugar, a peculiar baga. Sabendo disso, dei uma chance para um tinto de 2013 que custava 42 reais num mercado aqui perto de casa.
Grande acerto. O Colina da Espada está em ótima forma, cheio de aromas típicos de vinhos que amadureceram dignamente: café, charuto, chocolate, cedro… Melhora enquanto respira na taça, é vinho pra tomar com calma. Se virem alguma garrafa por aí, podem abraçar.
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝 Resenha de “Como Organizar uma Biblioteca”, de Roberto Calasso.
📝 Millôr Fernandes em 10 grandes frases.
🎙️ Presidente pornô: papo com Bruna Kalil Othero:
📝 Resenha de “Exploração”, de Gabriela Wiener.
📝 Escritores estão perdendo a confiança nos leitores?
🎙️ Guerra contra nazifascistas do passado e do presente - papo com João Barone:
📝 Uma biografia de Lima Barreto para jovens.
📝 Um caminho para que prêmios ajudem no amadurecimentos dos leitores.
Concordo muito com a questão de que é possível fazer publicidade, desde que fique claro que trata-se de um conteúdo pago. E o mesmo deve ser feito com uma crítica (usar a palavra "crítica" pressupõe um conteúdo autoral). E até mesmo recomendações espontâneas devem vir com reforço da informação de que "não é publicidade". A ética está na transparência.
Fiquei chocada com a história. Não por ela ter cobrado a resenha, mas por ter feito da forma que fez. Conheço profissionais que fazem publicada de livro que são super competentes e honestas. Acho válido. Mas sim, tem muita gente picareta nesse negócio que faz um texto base de adulação pra tudo quanto é livro. E no final, parece que o que alguns autores querem é isso mesmo, adulação.