š Todo mundo anda lendo os mesmos livros?
Apesar dos caminhos inesgotĆ”veis, andarĆamos meio que juntos sempre numa mesma direĆ§Ć£o
Opa, tudo bem?
Aqui, Rodrigo Casarin. Sou jornalista e vivo entre livros.
Dentre outras coisas, toco uma coluna no Uol, tenho um podcast e perambulo pelo Twitter e pelo Instagram. Me acompanhe nas redes!
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Todo mundo anda lendo os mesmos livros?
Um surto coletivo na bolha de leitores do Twitter. Foi o que rolou em dezembro de 2017 apĆ³s a The New Yorker publicar o conto āCat Personā, da entĆ£o desconhecida Kristen Roupenian. A histĆ³ria de incĆ“modos, desencontros e patifarias afetivas se alastrou pela rede. Viralizou.
Enfim alguĆ©m havia conseguido levar para a ficĆ§Ć£o nebulosidades caras a toda uma geraĆ§Ć£o, diziam. Por uns dias Kristen virou um nome incontornĆ”vel da literatura contemporĆ¢nea. Aos 35 anos, a estadunidense alcanƧava o posto de melhor escritora de todos os tempos daquela semana.
Kristen assinou um contrato de 1 milhĆ£o de dĆ³lares para lanƧar seu primeiro livro de contos. Quando o capenga āCat Person e Outros Contosā saiu pela Companhia das Letras, jĆ” distante do hype, revelou uma autora com incrĆvel talento para dar finais toscos Ć s histĆ³rias que cria. Hoje Ć© difĆcil encontrar por aĆ gente lendo ou conversando sobre seu trabalho.
Resgato essa histĆ³ria por conta de uma sĆ©rie de mensagens que recebi sobre o texto principal da Ćŗltima newsletter. Ao comentar a dinĆ¢mica que nos leva a escolher qual tĆtulo iremos ler, leitores compartilharam a impressĆ£o de que muitas vezes todo mundo dĆ” atenĆ§Ć£o para os mesmos livros. Apesar dos caminhos inesgotĆ”veis, andarĆamos meio que juntos sempre numa mesma direĆ§Ć£o. Como rolou com āCat Personā, o conto.
Grandes sucessos contribuem para fortalecer essa sensaĆ§Ć£o. HĆ” alguns meses, Annie Ernaux soava onipresente. Antes, parecia que todos liam āTorto Aradoā, de Itamar Vieira Junior. JĆ” tivemos um momento assim com Elena Ferrante, sĆ³ para ficar em mais um exemplo recente. O trio de autores mostra que podem existir virtudes nos modismos.
Me parece uma aposta ganha: hĆ” mais gente interessada em estar por dentro do assunto do momento e pautar escolhas de acordo com elogios alheios do que em descobrir por conta prĆ³pria o que hĆ” de incrĆvel dentre os livros menos badalados. A dinĆ¢mica gera um efeito curioso nas redes sociais, onde muita gente torce o nariz para qualquer olhar crĆtico mais aguƧado.Ā
DaĆ que, numa lĆ³gica cara a esse universo, muita gente passa a falar de um mesmo livro e sempre adotando certo tom de deslumbramento. Os likes chegam enquanto se alimenta um pĆŗblico afeito ao oba oba sobre o que jĆ” conhece. Some isso Ć s bolhas que se criam no Instagram, no Twitter ou em qualquer outra plataforma e pronto, cenĆ”rio ideal para a mesmice.Ā
Muda-se a nicho, mudam-se os nomes, mas a lĆ³gica permanece. Falei de Annie, Itamar e Elena. SĆ£o autores que talvez pouco apareƧam numa outra esfera de leitores. Uma bolha bem grande onde dominam leituras da insossa Jenna Evans Welch ou da sofrĆvel Colleen Hoover. Bem, pelos nĆŗmeros, todo mundo meio que estĆ” lendo a Hooverā¦
Outros nĆŗmeros. Dados recentes reforƧam a concentraĆ§Ć£o. Uma pesquisa publicada pelo SNEL aponta para uma queda de quase 10% na variedade de livros vendidos. Sim, se compararmos com a mesma Ć©poca do ano passado, hĆ” menos tĆtulos sendo procurados pelos leitores quando vĆ£o Ć s livrarias virtuais ou fĆsicas.
Seria forƧar a barra dizer que esses nĆŗmeros explicam a impressĆ£o de um mundo de livros sempre iguais no nosso entorno. Falamos de um universo ainda bastante grande, que caiu de 156.274 para 140.861 ISBNs vendidos. SĆ£o, contudo, indicadores que corroboram certa sensaĆ§Ć£o que paira entre leitores.
Apesar da preocupante diminuiĆ§Ć£o da variedade de livros vendidos, o cenĆ”rio ainda Ć© mais complexo e variado do que as redes sociais nos fazem supor com a sua meia dĆŗzia de mesmice. Tem muita gente lendo os mesmos livros, Ć© nĆtido. Mas, ainda bem, tambĆ©m tem um bom punhado de pessoas se arriscando por pĆ”ginas pouco exploradas, tentando traƧar de forma original o prĆ³prio caminho como leitor.
Academia do Peixe Frito
Modernistas da AmazĆ“nia que āqueriam distĆ¢ncia da burguesia, nĆ£o tinham um pingo de saudade da Belle Ćpoque e sonhavam em colocar os negros, os caboclos e a periferia no topoā. Trocavam ideias enquanto almoƧavam no singular Ver-o-Peso, em BelĆ©m. ConheƧa a Academia do Peixe Frito na matĆ©ria que Eduardo Laviano escreveu sobre a histĆ³ria da literatura amazĆ“nica.
CƩsar Aira e Roberto BolaƱo: quase encontros
NĆ£o lembro como foi parar na minha tela esse artigo de 2016. Nele o autor repassa as vezes em que o argentino CĆ©sar Aira e o chileno Roberto BolaƱo, dois dos maiores nomes da literatura latino-americana pĆ³s boom, quase se conheceram. SerĆ” que Aira segue sem ler BolaƱo? AliĆ”s, serĆ” mesmo que nunca tinha lido BolaƱo ou mentia para se esquivar de algo?
E estĆ” muito bom esse papo no Rabiscos entre Tadeu Rodrigues, Caio Lima e Cristhiano Aguiar. Falam sobre āOs Detetives Selvagensā e a importĆ¢ncia de BolaƱo:
Perigo: leitor
āEles ficavam se perguntando o que esse zĆ© povinho entenderia dos textos e que tipo de relaĆ§Ć£o estabeleceria com a leitura. SerĆ” que essa rapa sairia misturando ficĆ§Ć£o e realidade? SerĆ” que nĆ£o ficaria tĆ£o tomada pela leitura que comeƧaria a esquecer as obrigaƧƵes e vagabundear no trabalho? SerĆ” que ia se deixar levar por qualquer coisa que lesse? SerĆ” que esse povo nĆ£o ficaria ambicioso agora que tinha um vislumbre do mundo fora da sua vidinha de merda? Provavelmente sim, nĆ©ā.
As histĆ³ricas perseguiƧƵes ao hĆ”bito da leitura nesse bom texto da Juliana Cunha, que tem uma newsletter que recomendo:
A importĆ¢ncia da prĆ©-venda
Sabe por que pequenas editoras apostam cada vez mais na prƩ-venda de livros? O Nathan Matos, da Moinhos, explica:
āļø Um cafĆ©
Fuck Coffee, GozolĆ¢ndia e Zica Memo. Gosto dos trĆŖs cafĆ©s da Por Um Punhado de DĆ³lares. Mas gosto ainda mais do cappuccino dos caras, provavelmente o melhor que jĆ” tomei na vida. Se for de SĆ£o Paulo ou estiver pela capital, vale passar pela loja da Nestor Pestana para provar. O bolo de cenoura com chocolate tambĆ©m Ć© bom. E deixe pra lĆ” o pĆ£o de queijo, sem graƧa que sĆ³.
š Chegou por aqui
Entre a Ćŗltima newsletter e esta ediĆ§Ć£o ficamos sabendo da morte de Kenzaburo Oe, japonĆŖs que ganhou o Nobel de Literatura de 1994. Levou por imaginar um mundo onde vida e mito se juntam para, com forƧa poĆ©tica, delinear atuais perrengues da humanidade.Ā
āAdeus, Meu Livro!ā chegou por aqui pouco antes da informaĆ§Ć£o a respeito da passagem do escritor. No centro da trama, um pacifista numa encruzilhada: apostar ou nĆ£o na violĆŖncia para tentar evitar um mal maior? Alcir PĆ©rora gostou do romance que chega aos leitores pela EstaĆ§Ć£o Liberdade. A traduĆ§Ć£o Ć© de Jefferson JosĆ© Teixeira.
š O que vem por aĆ
A Campos Editora passa o chapĆ©u para lanƧar uma ediĆ§Ć£o de āRecordaƧƵes do EscrivĆ£o IsaĆas Caminhaā, livro de estreia do grande Lima Barreto. O projeto terĆ” ilustraƧƵes feitas por Edson IkĆŖ e material de apoio assinado por Fernanda Sousa, tradutora e crĆtica literĆ”ria que em suas pesquisas estabelece pontes entre os diĆ”rios de Lima e de Carolina Maria de Jesus e a histĆ³ria da escravidĆ£o e do pĆ³s-aboliĆ§Ć£o.
š O que poderia vir
Jornalista com forte pegada gonzo, a peruana Gabriela Wiener jĆ” teve seu momento aqui no Brasil. Ela veio para uma mesa desastrosa na Flip de 2016, quando a editora Foz publicou āSexografiasā, reuniĆ£o de matĆ©rias de Gabriela sobre o universo pornogrĆ”fico.
A autora, muito celebrada em paĆses de lĆngua espanhola, nĆ£o caiu nas graƧas dos leitores brasileiros. Merecia outra chance, talvez pela via da ficĆ§Ć£o. āHuaco Retratoā vem colecionando elogios desde que saiu pela Random House no comeƧo do ano passado
š· Um vinho
Gosto demais dos vinhos da regiĆ£o do DĆ£o, em Portugal. Costumam ser austeros, elegantes e, fundamental, muitas vezes bem acessĆveis ao bolso. Encontro o Titular Colheita Tinto, a dica da vez, na faixa dos R$60, mas Ć s vezes aparece por menos de R$50 em promoƧƵes. O branco dos caras tambĆ©m Ć© bom, vai que Ć© uma maravilha no calor infernal que segue fazendo em SĆ£o Paulo.
š¢ O que mais rolou na PĆ”gina Cinco
š ConfusĆ£o com corintianos e morte no aviĆ£o: histĆ³rias de 40 anos de TitĆ£s.
š Ariano Suassuna aprovaria o novo O Auto da Compadecia?
šļø Papo sobre o legado do crĆtico literĆ”rio Antonio Candido:
šAs desgraƧas da vida e a busca pelo equilĆbrio: resenha de āIogaā, do francĆŖs Emmanuel CarrĆØre.
šBorges, Rulfo, Carpentier, Onetti, Quiroga e Gabo pelos traƧos de Alberto Breccia.
šļø Afetos, covardias e transformaƧƵes: uma histĆ³ria da arte no papo com Carolina Vigna:
Ć o desafio de furar a bolha. Dia desses um amigo me perguntou que filmes do Oscar eu vi - " e nĆ£o ouse dizer que nenhum". Com livros, Ć© a mesma pressĆ£o, ainda mais trabalhando para essa indĆŗstria. Para pertencer a qualquer grupo, somos "convidados" a ser menos espontĆ¢neos, a preferir nossos gostos para nĆ£o parecer desinteressante ou se perder nas conversas. Um baita desafio de autoestima. AliĆ”s, tĆ“ lendo a maravilhosa biografia do Mario de Andrade, escrita pelo Jason TĆ©rcio; um outro chamado "Respire", de James Nestor; e "A Vida Secreta das EmoƧƵes ", da Ilaria Gaspari.
Adenia Chloe Ć© minha religiĆ£o. Sinto o mesmo com as modas de livros e confesso que deixo passar atĆ© ver se realmente me interesso pelos livros. Desse modo, ainda nĆ£o li a Ferrante, mesmo tendo amado a sĆ©rie. Torto arado nem passa pela minha cabeƧa em ler e outros livros nĆ£o arrisco expor opiniĆ£o. RS. Muito do que leio vem de capas bonitas sim, de indicaƧƵes de pessoas que confio no papo e nas trocas... Enfim, tem rolado boas leituras por aqui desse jeito. E acredito que tb evitado gastar uma grana com coisas que nĆ£o vou ler tĆ£o cedo... Ou nunca. š