O que é um leitor?
Alguém que leu qualquer naco de livro nos últimos três meses? É só isso mesmo?
Dias atrás, o Instituto Pró-Livro divulgou a nova edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Os números são lamentáveis, mas não surpreendem. De 2019 para cá, passamos de 100,1 para 93,4 milhões de leitores.
O tombo fica ainda maior se compararmos com os dados de 2015, quando éramos 104,7 milhões. Desde então, o Brasil deixou de ser um lugar onde 56% da população poderia ser considerada leitora e virou um país onde 53% dos habitantes assumem não ler.
Ainda são números inflados demais, tenho a impressão. E questiono a própria definição de leitor usada desde sempre na pesquisa. Eis como a Retratos da Leitura nos enxerga:
“Leitor é aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro de qualquer gênero, impresso ou digital, nos últimos 3 meses”.
É o suficiente? Basta que alguém tenha aberto qualquer livro em qualquer página e lido meia dúzia de linhas num mísero dia dos três meses que antecederam a apuração para ser considerado um leitor?
A leitura dogmática de trechos da Bíblia ou a busca por papagaiadas desses charlatões que enchem nossas livrarias é o suficiente para olharmos para essa pessoa e pensarmos: “ufa, temos aí um leitor!”?
Não me parece. Fosse assim, no extremo, era só colocar fake news como leitura de ficção que pronto, teríamos um país de leitores de literatura com o whatsapp na mão - sim, a pesquisa considera leituras feitas em diversas tecnologias.
Aliás, segundo o histórico da apuração, o pico da leitura no Brasil rolou em 2015, mesma época em que livros para colorir faziam estrondoso sucesso. Será que foram os pintores de mandalas e jardins que inflaram os dados?
Segundo a pesquisa, 27% dos entrevistados disseram ter lido um livro inteiro nos últimos três meses e 25% afirmaram ler literatura por vontade própria. Talvez seja uma base mais confiável para percebermos quem se interessa mesmo por livros no país.
São números próximos de um aspecto fundamental: os 24% que dizem ler por gosto, pelo prazer da leitura:
A quantidade de leitores que diz gostar de prosa literária, seja no formato de contos ou romances, também está um pouco acima dos 20%. São dados que contrastam com a história alardeada por aí de que o pessoal não se interessa pelas histórias breves.
E outras informações que contrastam com certo senso comum: os jovens leem (pouco, mas leem). Quem precisa cada vez mais ser convencido a dedicar algum tempo da vida para os livros são os adultos.
A partir da pré-adolescência, a quantidade de gente que diz não ler aumenta conforme a idade avança. As pessoas se afastam dos livros ao longo da vida:
Volto à pergunta central deste texto: o que é um leitor? Qualquer tipo de livro e qualquer tipo de leitura são suficientes para lamentarmos os dados apresentados ou comemorarmos se um dia o panorama for outro?
Ou ao mesmo tempo em que nos preocupamos com a formação de leitores também deveríamos estabelecer parâmetros mais ambiciosos do que esperamos da leitura? Quais parâmetros são esses?
Não empilho perguntas por capricho. Uma névoa permeia minhas insatisfações e ambições nesse campo - escrevi um pouco sobre elas aqui.
Considero condescendente demais a definição adotada pela pesquisa, mas reconheço que não é simples propor outro parâmetro, ainda mais levando em conta a qualidade da leitura e a natureza do que é lido, pontos fundamentais capazes de gerar outras discussões imensas.
Adoraria ouvi-los a respeito. A caixa de comentários está aberta.
Espaço patrocinado por Crio Café
Café em cápsula
Já falei para vocês que não sou o maior fã dos cafés de cápsula. Bebo numa boa, simulam razoavelmente o que seria um espresso ordinário, mas prefiro mesmo os coados.
Costumo ter algumas cápsulas em casa, em todo caso. Servem bem nos momentos de pressa e para fazer algumas graças em misturas.
Uma que adoro: forrar de doce de leite o fundo do copo, às vezes com um pouco de paçoca, cobrir com leite quente, completar com leite vaporizado e, por fim, colocar delicadamente uma dose desse simulacro de espresso sobre a mistura. Se bem feito, o café acomodará entre o leite e a espuma, deixando a coisa bonita que só, com várias camadas de cores.
Não sei se já repararam, mas as cápsulas costumam vir com um número correspondente à intensidade indicado na embalagem. Prefiro as que ficam entre 4 e 7. Fujo das pancadas mais altas, sempre com cafés torrados demais.
Opção ainda melhor é ter por perto alternativas de pequenas cafeterias que trabalham com esse produto. A Crio é uma delas. Os ótimos cafés que oferecem em grãos também costumam ser vendidos em cápsulas.
Garanto: são bem melhores do que as cápsulas que encontramos nos mercados.
Papo sobre Gabo
Sexta que vem tem papo sobre Gabo aqui em São Paulo.
Será às 19h, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima. Fica na rua Henrique Schaumann, 777, Pinheiros. É de graça :)
Apareçam!
Clube de Leitura da Página Cinco
Foi muito bom mesmo nosso papo de novembro sobre “Cidadã de Segunda Classe”, da nigeriana Buchi Emecheta (Dublinense).
Agora teremos um último encontro do Clube de Leitura da Página Cinco, exclusivo para os assinantes que pagam pela newsletter, para fechar com autor que mudou os rumos da literatura no século XX:
Em dezembro, no dia 16, conversaremos sobre “O Castelo”, de Franz Kafka (diversas editoras).
Aqui há mais o informações sobre o Clube de Leitura da Página Cinco.
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝 Nelson Rodrigues para Clarice Lispector: o que mais importa é a solidão
📝 Menos índice em 23 anos: número de leitores no Brasil despenca
📝 Diário aproxima leitor da carnificina provocada por Israel na Palestina
🎙️ As leituras de Felipe Neto:
Há uns bons 30 anos, a educação brasileira tem-se deteriorado. Foi preciso criar argumentos modernos como “leio blogs”, leio textos no celular”, pra considerar-se leitor. A cultura geral do país diz tudo. E não vejo como isso pode mudar em pouco tempo. Texto excelente. Obrigada.
Dá até desânimo de escrever. Sair desse atoleiro não vai ser fácil e não dá pra depender de ações governamentais. A maioria de nós passa 90% olhando para o celular e vagando feito zumbis pelas redes sociais. Esta realidade deveria ser aproveitada para campanhas massivas de incentivo à leitura e trabalhada por toda a cadeia do livro. Acho que é uma saída.