O que aprender com quem lê mais de 300 livros por ano?
É bobagem ficar olhando para quantos livros o outro diz dar conta
Veio de um leitor da Página Cinco a foto da matéria com o título “O que a rotina dos superleitores pode ensinar?”. Bati o olho e dei risada. O que seria um superleitor? Uma espécie de leitor com capa e cueca por cima da calça, que acredita incorporar o bem que dará uma surra no mal?
Fiquei encanado quando, de relance, vi o nome de um dos entrevistados: Paul Scott. Meu cérebro colocou um O no final do primeiro nome. Estranhei ver outro Scott, o Paulo, autor de “Marrom e Amarelo”, dando trela para uma papagaiada dessas.
Foi apenas um engano. O quase homônimo é um aposentado que vive em Los Altos, na Califórnia, e pretende ler 400 livros ao longo deste ano. Pra que tudo isso? É uma pergunta que também me faço.
Publicada no The Washington Post, a reportagem foi replicada por diversos veículos brasileiros, dentre eles o Estadão. Nela, leitores ávidos dão dicas de como as pessoas podem ler mais num país onde quase metade da população não leu um livro sequer em 2023.
A falta de leitura também é um problema nos Estados Unidos, como mostra a reportagem. Só que transformar a atividade numa tarefa com metas tresloucadas e comparações descabidas é estupidez das grandes. Sejamos razoáveis.
Podemos falar em dicas de como começar a ler ou como dedicar um pouco mais de tempo à leitura, claro. Mas se o hábito já existe, importa mais a qualidade de como a leitura é feita do que o volume de títulos lidos.
Aposto um exemplar raro da Cosac Naify: quem, num ano, lê com atenção meia dúzia de obras como “Guerra e Paz” ou “A Paixão Segundo G.H.” será um leitor que compreenderá melhor quão complexa é a literatura do que quem empilha centenas livros com receitas milagrosas para qualquer coisa e insossos “best-sellers do New York Times”.
Bom ter em mente, é bobagem ficar olhando para quantos livros o outro dá conta. Ou diz dar conta, fiquemos atentos com os picaretas. Cada pessoa tem a sua própria realidade, as demandas profissionais e familiares, outras opções de lazer, um ritmo de leitura único.
Ler é parte da minha rotina profissional (escrevi a respeito aqui). Em certas épocas preciso ler muitos livros num curto período. Sem tempo adequado para a reflexão, são leituras que meio que se esgotam e se perdem assim que o trabalho da vez está concluído.
Às vezes retomo alguns desses livros por ficar com a impressão de que merecem um outro tipo de leitura. Mais cadenciada, menos urgente. Essas são as melhores, aquelas que acabam por marcar profundamente, estabelecem a paixão por certas obras, nutrem a admiração por alguns autores.
O que aprender com quem diz ler mais de 300 livros por ano? A princípio, nada.
Deixo a dica: se for pra se preocupar com algo, que seja com a qualidade da leitura, não com a quantidade de livros lidos.
E superleitores não existem.
Clube de Leitura Página Cinco
Já sabe quais serão os próximos livros discutidos no Clube de Leitura da Página Cinco?
No dia 27 de maio, às 20h, nos reuniremos via Meet para conversar sobre Saturno Translada, de Lucas Lazzaretti (7 Letras).
Já em julho, em data ainda a ser decidida, o papo será sobre Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi (Estação Liberdade).
Papo na biblioteca do Parque da Juventude
Vai rolar um papo com o colega Manuel da Costa Pinto na Biblioteca de São Paulo, no Parque da Juventude, ao lado do metrô Carandiru.
Na pauta, o livro que acabo de lançar pela arquipélago: “A Biblioteca no Fim do Túnel: Um Leitor em Seu Tempo”.
A conversa será no dia 11 de maio, sábado, a partir das 15h. É na faixa e não precisa de inscrição prévia, só chegar, se acomodar e curtir o evento.
Apareçam!
Prazer da leitura
escreve sobre a vida dedicada aos livros, o volume de leitura e a relação com releituras em sua newsletter, a El Vicio Impune de Leer. Importa muito mais o prazer da leitura do que o volume de livros lidos num mês ou num ano, enfatiza.Escrita e esporte
A escritora
quis saber: Qual a relação entre exercícios do corpo e da palavra?Estou são pauliníssimo e bem acompanhado nas respostas sobre a forma como escrita e esportes se relacionam. Está na Te Escrevo Cartas, a newsletter da Paula:
Armadilha mortal
“A arte deveria funcionar ao contrário: destruir, dinamitar aquilo que é esperado, aquilo que é consenso. Mas os artistas são dispositivos ideológicos para produzir discurso, por isso vejo que a arte, hoje, está numa armadilha, uma armadilha mortal”.
Ariana Harwicz deu uma entrevista para a Quatro Cinco Um por conta do lançamento no Brasil de “O Ruído de uma Época” (Instante), no qual clama pela compreensão de que dissensos e ambiguidades são imprescindíveis na arte e no meio artístico.
Gabo indica 15 clássicos
Já pensou ter a oportunidade de almoçar com Gabriel García Márquez e ainda voltar para casa com uma lista de livros clássicos que o colombiano considerava imprescindíveis?
Pois foi o que rolou com o jornalista Hernando Álvarez, que contou a história para a BBC. Um trecho:
“Ele me contou que quando jovem também via os clássicos com desdém, até que uma vez ouviu de um mentor que ele nunca se tornaria um grande escritor se não conhecesse os clássicos gregos. E me disse que, quando os descobriu, se apaixonou por eles”.
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝 Caso Tio Paulo mostra como realidade pode ser inacreditável
📝 Vontade de Deus e a fé como esperança ou maldição: resenha de “Como Pedra”
📝 Dia do Trabalhador: quem paga as contas dos “grandes homens”?
🎙️ Um passeio pela literatura japonesa contemporânea: papo com a tradutora e pesquisadora Rita Kohl:
Quando vi o título no X, pensei "nada" – e agora vi que tua resposta é exatamente essa. Alguém que lê 300 livros por ano, não lê nenhum. Com sorte, em 31 de dezembro vai lembrar dos nomes de dez deles. Quando o assunto é leitura ou estudo, meu guia é aquela frase genial do Guimarães Rosa: "o que lembro, tenho". Eu quero poder lembrar dos filmes e livros, mesmo que 20 anos depois a lembrança seja apenas de linhas gerais da história. Se não for assim, a leitura (ou o cinema) fica limitada ao entretenimento momentâneo. Não acresce nada e não se diferencia de uma visita a um parque de diversões.
Também não entendo os superleitores. Uma vez descobri que tem um desafio de ler um livro em 24h. Detalhe: a pessoa se filma lendo.
Estou lendo A paixão segundo G.H e, apesar de ser um livro de pouco menos de 200 páginas, acho que não vou concluí-lo até o final de semana. Leio uma frase, uma página ou um capítulo e fico horas pensando sobre.
Um beijo.