Bibliotecas estão na moda?
Dizem por aí que jovens usam cada vez mais esses espaços dedicados aos livros
A vontade de conhecer a biblioteca universitária fundada em 1250, apontada como a mais antiga da Europa, que me levou até Salamanca. É uma coleção de aparência suntuosa, com marcas de sua longevidade. Tudo ali remete a séculos passados.
A visita é breve. No prédio histórico da universidade, você acha uma portinha no segundo andar e dá um jeito de espiar dali mesmo. Não há como circular pelo espaço que vive trancado com uma porta de vidro. É como se a biblioteca tivesse se transformado num quadro em três dimensões tão bonito quanto intocável para o público comum.
Em Salamanca, valeu conhecer outra que sequer estava no roteiro. Num final de ano, já perto do Natal, os cinco andares da biblioteca pública da cidade estavam lotados de leitores. Ela fica na chamada Casa das Conchas, prédio com mais de 500 anos.
Como estava lotada a moderníssima Gabriel García Márquez, em Barcelona, visitada em algum dia entre o Natal e o Ano Novo. Inaugurada quase ontem, em 2022, logo virou uma biblioteca de referência em todo o mundo.
Na fachada que simula livros empilhados, uma famosa citação de Gabo: “La vida no es la que uno vivió, sino la que uno recuerda y como recuerda para contarla”.
A quantidade de gente que vi pelas bibliotecas públicas da Espanha me deixou boa impressão. Parecia que o pessoal realmente curtia esses espaços. Garotada estudando, jovens lendo, tios com jornais, senhoras com revistas, um monte de gente futricando os livros entre as prateleiras.
Combinavam os dias frios com ambientes bastante acolhedores, onde ninguém precisava de licença para entrar, justificar o que quer ou pedir permissão para manusear os livros.
Não foi uma surpresa, então, ler matérias recentes que relatam como esses espaços têm atraído novos públicos em diferentes cantos do mundo. Segundo a American Library Association, jovens, quase jovens e pós-jovens usam mais as bibliotecas públicas do que outras gerações.
E usam por diferentes motivos, informa uma reportagem do The Guardian: “Bibliotecas nunca significaram apenas livros. Elas são espaços comunitários, lugares para conexões e descobertas. Para uma geração que vive online, flertando com a chamada ‘epidemia de solidão’, bibliotecas são cada vez mais espaços sociais”.
Numa onda de olhar positivo para os livros, uma outra reportagem do mesmo Guardian fala sobre a explosão de clubes de leitura que atraem cada vez mais essa juventude. “Ler é tão sexy”, empolga-se uma garota em outro artigo.
Nesta semana a Veja transpôs a matéria do Guardian para a realidade brasileira. Apuraram que a onda de jovens transformando bibliotecas em endereços para seus rolês chegou por aqui.
E uma outra moda já é nítida em nossas livrarias: a de livros que se aproveitam do imaginário que esses espaços e sua variável comercial, a livraria, ocupam na cabeça dos leitores.
“Bem-vindos à Livraria Hyunam-Dong”, de Hwang Bo-Reum (Intrínseca). “A Biblioteca dos Sonhos Secretos”, de Michiko Aoyama (Sextante). “Meus Dias na Livraria Morisaki”, de Satoshi Yagisawa (Bertrand)...
São títulos recentemente lançados. Tentam, me parece, aproveitar o sucesso comercial do terrível “A Biblioteca da Meia-noite”, de Matt Haig (Bertrand), que resenhei lá na coluna há alguns dias.
Talvez alguma coisa esteja mesmo acontecendo.
Clube de Leitura da Página Cinco
Na última quarta-feira de março rolou o primeiro encontro do Clube de Leitura da Página Cinco.
Conversamos sobre “O Invencível Verão de Liliana”, da mexicana Cristina Rivera Garza. Foi excelente o papo que durou cerca de 1h30.
Nos próximos dias escolheremos a leitura da próxima edição do Clube, que é exclusivo para aqueles que pagam pela newsletter.
Ainda dá tempo de participar da escolha. Espero que outros bons leitores se juntem a nós :)
A Biblioteca no Fim do Túnel
Fiquei feliz ao ver o meu “A Biblioteca no Fim do Túnel” (que, apesar do título, tem uma proposta bastante diferente dos livros mencionados há pouco) indicado pela Ana Rüsche na série que ela fez sobre hábitos de leitura na
.“É uma ótima obra para quem gostaria de retomar o prazer da leitura. Sendo um leitor profissional, Casarin consegue comentar sobre quase todas as angústias e delícias que envolve a leitura, além de discorrer a respeito de obras variadas”, escreve Ana.
Ficção Americana
“Não se escreve ficção para afirmar princípios e crenças que todo o mundo parece sustentar nem para garantir a adequação de nossos sentimentos”.
É de Philip Roth a ótima frase que
, da newsletter A Hora da Estrela, pesca para uma recente coluna na qual parte do filme “Ficção Americana” para comentar as expectativas e estigmas que cercam literaturas feitas por escritores de determinados grupos.Juliana ainda alerta: “Sempre saímos mais pobres quando tentamos adequar toda e qualquer expressão literária às nossas expectativas”.
Críticos como estrelas
“Críticos viraram espécies de ‘pop star’, dos quais leitores se tornaram fãs. É de se preocupar quando as pessoas que leem seus textos passam a abdicar do seu próprio propósito de propor um pensamento crítico e preferem reproduzir como fantoches aquilo que lhes é dito. O efeito manada das redes sociais se une ao viés de confirmação e isso acabou transformando críticos em meros personagens”.
Fabiana Lima mirou na crítica de cinema quando escreveu esse texto, mas serve para a relação entre público e crítica (ou produtores de conteúdo, influencers, seja lá o que for) em outras artes (sim, como a literatura).
Dicas de filmes
A primeira é quase que uma trapaça. Indico a lista com 20 indicações de filmes latino-americanos feita pela revista Ensaio Geral. Tem bastante coisa fora do óbvio. Reforço a sugestão para que vejam “O Cidadão Ilustre”, que tem a ver com literatura.
A outra dica também é um filme relacionado ao mundo dos livros. O japonês “Drive My Car” estreou há pouco na Netflix. É inspirado num conto de Haruki Murakami e dialoga com a obra de Tchekhov.
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝 O que esperar de um dos grandes livros do momento? Resenha de “A Mais Recôndita Memória dos Homens”
📝 A enfadonha Biblioteca da Meia-noite e o tal livro para todos os públicos
📝 3 livros para lembrar a ditadura militar
📝 O que fazer com um livro do século 19 encapado com a pele de uma mulher?
🎙️ Gabriel García Márquez e a invenção da América Latina:
tomara que as bibliotecas ganhem mais força e se multipliquem pelo brasil, sobretudo nesse momento em que os livros estão tão caros e proibitivos para a maioria da população.
Tou com saudade de ir na biblioteca na lapa, mas a vida na usp me suga muito. O último livro que tentei pegar na Florestan não era circulante 😭 inclusive, era O avesso da pele. Biblioteca é um lugar maravilhoso para curtir a solidão, pelo menos pra mim. Beijo!