Expectativas de um jurado de prêmio literário
Cada jurado é apenas uma fração das forças que fazem com que determinado livro seja premiado
Estamos no meio da época de premiações literárias. Biblioteca Nacional e São Paulo já anunciaram seus vencedores. Nos próximos dias será a vez do Oceanos e do Jabuti.
Uma dinâmica se repete a cada anúncio. Vencedores, óbvio, comemoram. Alguns celebram o resultado . Muitos lamentam não ter chegado lá. Outros tantos se dizem decepcionados porque seus livros favoritos da temporada não foram reconhecidos. Há quem aponte enormes injustiças ou acuse que tudo não passa de uma grande tramoia. Bobagem.
O que não costuma ser dito é que jurados também podem ficar decepcionados com os prêmios.
Diferente do que parecem imaginar por aí, compor o júri passa longe de significar ter grande controle sobre o vencedor. Não porque haja algum poder oculto ditando o caminho das coisas. Mas cada jurado é apenas uma fração das forças que fazem com que determinado livro seja premiado.
Observar a dinâmica de cada prêmio é importante.
O Oceanos, por exemplo, divide a avaliação em etapas. Na primeira, cada obra passa por três jurados que recebem no máximo 60 livros. Esses profissionais não se conhecem e nunca se comunicam. Os títulos com maiores notas seguem adiante para uma nova rodada de avaliação. Enfim, os finalistas vão ao júri final, que se reúne para tentar chegar num consenso sobre vencedores.
O Jabuti é diferente. Cada categoria conta com apenas três jurados. Cabe a eles avaliar todos os livros de seu nicho. Não se conhecem nem se comunicam. Precisam escolher 13 títulos para lhes atribuir notas de acordo com uma série de critérios estipulados no regulamento. Quando entregam o trabalho, o que resta é esperar para ver quem foram os colegas e descobrir para onde a coisa caminhou.
Comento os dois prêmios porque são os que tenho mais familiaridade. Desde 2018 integro o júri inicial do Oceanos. Do Jabuti, fui jurado em Biografia e Reportagem em 2018 e em Romance Literário em 2019 e neste ano, além de ter composto o conselho curador no ano passado. Pelo que vivo e pelo que ouço, afirmo: jurado também fica ansioso para saber o vencedor e nem sempre sorri ao conhecer o resultado.
Cada formato guarda suas virtudes e suas ciladas. Gosto da incomunicabilidade e da frieza das notas do Jabuti. Aprecio as diversas etapas do Oceanos. E sei que o diálogo entre jurados pode apurar olhares. Contudo, também já ouvi mais de uma vez histórias de reuniões infinitas em que o cansaço ou a intransigência de alguns se faz mais decisivo do que qualquer consenso possível baseado em argumentos.
Já faz tempo. Num papo informal, fui questionado: a dinâmica do Jabuti seguia a mesma? Disse que sim. Então a pessoa se mostrou reticente. Não havia gostado nem um pouco de ver o seu nome reconhecendo a obra vencedora de um categoria de outra edição. Considerava o livro uma tranqueira, diferente de seus colegas de júri. Boas notas desses dois certamente foram decisivas para que o trabalho ficasse com o troféu. Acontece.
Fico apreensivo quando anunciam os semifinalistas e finalistas dos júris que componho. Me chateio ao perceber a ausência de um livro ou outro. Por outro lado, comemoro quando noto que obras que gostei bastante seguem adiante. E, claro, fico encucado quando vejo certos livros considerados fracos por mim na iminência de talvez vencerem. Faz parte, ainda que eu evite os alardes públicos.
Jurado também fica ansioso e eventualmente torce justamente porque não é uma voz absoluta, não tem controle nem sabe de tudo. E reconheço: é bem satisfatório quando, no emaranhado de tensões de um prêmio literário, a coisa pende para o lado que julgamos o melhor.
Mais sobre prêmios
Nas últimas semanas pintaram outros dois bons textos sobre prêmios literários.
No Publishnews, o escritor e curador Henrique Rodrigues, autor de “O Próximo da Fila” (Record), escreve sobre o papel dessas premiações na trajetória dos autores.
E em sua newsletter, a Linguagem Guilhotina, o escritor e crítico literário
, autor de “Gótico Nordestino” (Alfaguara), escreve sobre as alegrias e frustrações de ganhar ou perder prêmios:O horror em Borges
“Borges demonstrou ter compreendido Kafka quando concebeu seu mais célebre conto de horror, ‘A Biblioteca de Babel’... É o pesadelo definitivo de quem lê. Um pesadelo capaz de expulsar dos seus domínios, inclusive, o Conde Drácula e o canibal Hannibal Lecter”.
Borges como escritor de contos de horror?
Sempre vale ler Braulio Tavares.
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝Uma dose de loucura para fugir da prisão que é a própria vida: resenha de “O Perigo de Estar Lúcida”, de Rosa Montero.
📝 Para mexer com o saudosismo: “O Mundo de Sofia em Quadrinhos”.
🎙️ A ficção científica e as formas de elaborar o futuro: papo com Ana Rüsche:
📝 A Flip de Conceição Evaristo e Luiza Romão - e do Apagão com sinal de Baco.
Interessante conhecer as diferenças de avaliação entre os concursos citados e o ponto de vista de um jurado.
Uma vez um outro jurado disse que lia apenas a primeira página, se o livro não o "pegasse", largava e passava para o próximo.
Uma coisa sobre a qual poucos jurados falam: a impossibilidade prática de se ler tantos livros em tão pouco tempo. Sabemos que vocês não leem todos. Como escolher, então? Quais os critérios de eliminação?
Um amigo foi jurado e recebeu uma caixa com 37 livros para ler em menos de um mês. Muitos dos livros foram eliminados lendo apenas o primeiro parágrafo.