Contra a força da mediocridade
A surrada imagem: sempre tem alguém para bicar nossa fuça quando começamos a olhar para fora da caixa
Opa, tudo bem?
Aqui, Rodrigo Casarin. Sou jornalista e vivo entre livros.
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Contra a força da mediocridade
Após compartilhar com os colegas a alegria de entrar na faculdade que o jovem começa a perceber olhares meio estranhos, piadinhas um tanto tortas. Então ouve de um camarada: “você atingiu o nervo mais sensível da galera, que é o ressentimento e a inveja”.
Tudo estava mais ou menos bem enquanto o rapaz vivia ali, entre o balcão e a chapa da lanchonete. Que seguisse sempre o padrão. Que fosse para o trabalho e dedicasse seus dias à dança da limpeza: pegar o esfregão, fazer um oito no piso e andar para trás.
Siga o padrão. O oito para trás. Padrão. Mais padrão. O símbolo do infinito. O infinito andando para trás. Mas não saia do padrão. Quem você pensa que é, garoto? Se acha melhor do que os outros aqui?
Nesses últimos dias me lembrei do protagonista de “O Próximo da Fila”, romance de Henrique Rodrigues (Record) que poderia estar naquela relação de livros que mereciam mais atenção dos leitores. Às vezes é preciso ter foco para escapar da mesmice, atenção para que certa mediocridade não nos agarre quando tentamos dar um passo para fora do lugar-comum.
Penso nisso por conta de uma moça que me escreveu para comentar o texto sobre lermos mais ou menos os mesmos livros. No grupo de leitores do qual ela faz parte, relatou, há quem considere sinal de arrogância alguém sugerir leitura que fuja do que estão habituados.
Também recordei o romance de Henrique ao ouvir outra história. Num papo, um colega jornalista comentava como o filho, agora adolescente, se distanciou dos livros. Ser leitor pegava mal entre os amigos, parece. Não que seja novidade ver a leitura como motivo de chacota, ainda mais entre jovens dispostos a aloprar qualquer coisa diferente do espelho.
Durante as eleições circulou a ideia estranha de que falar sobre livros afastaria uma camada importante do eleitorado. Ler seria coisa da elite. É uma amplificação do que há na raiz dos exemplos pontuais que dei. “Leitor? Nossa, só pode ser alguém que se acha”.
Outro dia, ouvindo rádio enquanto voltava do futebol, escutei um diretor quase implorar para que os ouvintes não pensassem que seu filme era cult. Só faltou dizer: podem assistir, talvez até tenha super-heróis, explosões… se precisar eu explico o final.
É uma variedade cinematográfica dessa mediocridade. Curte filmes que não são mais do mesmo dos EUA? Gosta de qualquer coisa que não implore pelo rótulo de pop? Ah, então só pode ser sinal de prepotência. Tá se achando, é? Vai lá, chatão, vai assistir aos seus dramas iranianos, vai!
Siga o padrão. O oito para trás. Padrão. Mais padrão. O símbolo do infinito. O infinito andando para trás. Mas não saia do padrão. Quem você pensa que é? Se acha melhor do que os outros aqui?
Vamos à surrada imagem. Sempre tem alguém para bicar nossa fuça quando começamos a olhar para fora da caixa. Para outras formas de fazer cinema, para outras literaturas, outras bibliotecas. Vai de cada um dar um jeito de se esquivar, devolver o sopapo e seguir (ou não) o próprio caminho.
E se arrisquem nas leituras. E assistam aos filmes do Asghar Farhadi.
Encontros no Sesc
Agora em abril, às quartas, estarei no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, em São Paulo, para uma série de encontros sobre literatura latino-americana contemporânea. A ideia é que seja uma espécie de guia de leitura em forma de conversas com os participantes sobre o que tem rolado entre o Rio Bravo e o Ushuaia.
Brasil, um país da Oceania
Ainda entre latino-americanos, é bom este mapeamento feito pelo mexicano Federico Guzmán Rubio sobre a literatura deste canto no mundo no século 21. Lista preciosa para quem quer conhecer novos nomes e imaginar o que mais poderia chegar por aqui. Só que há uma ausência notável: o Brasil sequer é mencionado na matéria. Vai ver que a gente fica, sei lá, na Oceania.
Tá todo mundo tentando: escrever
“Outra parte da graça também está na inexistência de uma fórmula universal. Existem tantos jeitos quanto escritores e seus conselhos: escreva de manhã, escreva de tarde, escreva a noite toda, escreva à máquina, escreva no papel, escreva no Scrivener, escreva bêbado, tome café, agrade sua musa, faça um pacto com o diabo”.
Não só gosto e recomendo, como tenho o trabalho da Gaía Passarelli como um grande norte para a minha própria newsletter. Vale a leitura da edição mais recente do Tá Todo Mundo Tentando, com dicas e reflexões sobre a escrita. Impressiona como o conselho 2 é óbvio e, ao mesmo tempo, negligenciado por muitos potenciais autores (e em parte por mim, diga-se).
Beijo da vida no livro moribundo
“Os livros que a gente considera que são mortos talvez estejam desmaiados, adormecidos com um monte de poeira por cima, em algum cantinho. O bibliófilo tem esse faro e essa missão de ir lá e sacudir. Ele vai dar o beijo da vida do livro. Dizem que isso é bobagem porque a história literária sabe fazer a seleção. Eu diria que até certo ponto. O problema é que o cânone uma vez constituído costuma ficar congelado”.
Vale a leitura desta entrevista com o poeta, ensaísta e bibliófilo Antonio Carlos Secchin, dono de uma biblioteca admirável. Tenho os dois pés atrás com esse papo de infalibilidade do tempo. Às vezes penso na quantidade de grandes autores que devem ter se perdido ao longo da história simplesmente porque não tiveram quem, além de ler, contribuísse para estabelecer os seus nomes.
Balada com Sófocles
A partir de maio rolará um curso virtual sobre as tragédias de Sófocles ministrado por Jaa Torrano, professor de língua e literatura grega da USP e tradutor das “Tragédias Completas” do autor, publicadas em parceria entre a Ateliê Editorial e a Mnēma.
Sófocles, vocês sabem, é um dos nomes mais importantes da história do teatro, responsável por peças como “Antígona”e “Édipo Rei”. O curso é uma realização da Ateliê com a Balada Literária. Inscrições e mais informações no site da Balada.
☕️ Um café
Espresso (sim, com S) não é o meu tipo de café favorito, sou mais dos coados. Mas tenho aqui em casa uma daquelas máquinas de tirar cafés em cápsula, uso vez ou outra. Um que curto é o Melitta Audace (intensidade 6, embalagem vermelha), meio aveludado, com boa acidez e sem ser aquele coice torrado demais.
📚 O que chegou por aqui
A Record lançou uma nova edição de “O Filho Eterno”, de Cristovão Tezza, um dos livros mais aplaudidos de nossa literatura neste século. O barulho que ele fez e a quantidade de prêmios que arrebatou ali no final da primeira década foi impressionante.
De pegada autoficcional, o romance narra a história de um escritor que passa pelo processo de aceitar, aprender a lidar e, enfim, estreitar laços com um filho com síndrome de down - tem futebol no meio dessa equação.
“‘O Filho Eterno’ não foge a um páthos típico do acerto de contas, tão ao gosto dos leitores, mas se diferencia num aspecto fundamental: com uma coragem moral de tirar o chapéu, o olho clínico do narrador se concentra em dissecar psicologicamente o personagem do pai”, escreve o também escritor Sérgio Rodrigues na apresentação dessa nova edição.
📚 O que vem por aí
Minha aposta é que vocês ainda ouvirão falar muito de Pedro Lemebel num futuro próximo. Autor que aliava a literatura a performances ousadas, muitas vezes dolorosas e arriscadas, Lemebel é um nome importante da arte queer. Chileno, travesti, bateu de frente com a ditadura de Pinochet e se tornou um ícone da contracultura latina.
Boa porta de entrada para conhecê-lo é o documentário “Lemebel”, disponível na Amazon Prime. E em maio a Zahar publicará “Poco Hombre - Escritos de Uma Bicha Terceiro-Mundista”, vasta reunião de crônicas do autor organizada por Ignacio Echevarría e traduzida por Mariana Sanchez.
Vale ver esse vídeo do Latina Leitura com a B de Barbárie sobre Lemebel:
📚 O que poderia vir
Bill Watterson tem seu lugar cravado na história dos quadrinhos. É ele o autor de “Calvin e Haroldo”, que chegou a mais de 2400 jornais em todo o mundo. Quando as tiras acabaram, no final de 1995, o artista se afastou dos holofotes. Isso até este 2023.
Está previsto para o dia 10 de outubro o lançamento de “The Mysteries”, trabalho de Bill feito em parceria com John Kascht com jeitão de livro ilustrado. Que também chegue logo ao Brasil.
🍻 Uma cerveja
É uma praga. Cervejeiros reclamavam que vivíamos numa bolha de cervejas todas iguais, as brahmas e itaipavas da vida. Daí veio a cerveja artesanal, pipocaram cervejarias para tudo que é lado e… Criaram uma outra bolha, desta vez feita de IPA e suas mil variações mais ou menos lupuladas. Dentre as IPAs, APAs, DIPAs da La Caminera, quase minha vizinha, gosto muito da El Dorado.
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝 Mauricio de Sousa merece uma vaga na Academia Brasileira de Letras?
📝 Os 50 anos da Vaga-Lume, coleção que ensinou que ler é divertido pra caramba.
🎙️ Entre Homero e as pedras que guardamos aqui: papo com Luiza Romão, grande vencedora do Jabuti de 2022:
📝Fui trombar com um calvo do campari num livro do Tolstói.
📝Resenha de “Um Intrépido Livreiro nos Trópicos”, de José Luiz Tahan, da livraria Realejo.
🎙️ Caminhos para conhecer a obra de Tolstói no papo com Yuri Al'Hanati, do canal Livrada!:
O post dos mesmos livros semana passada pegou por aqui, o de hoje também. Eu sou muita essa pessoa que não assina Netflix pq assina Imovision (esse é um exemplo banal mas que funciona) oq parece certa arrogância mas... foda-se? A vida é curta, eu já tô na segunda metade, quero mais é gostar das coisas que eu gosto em paz. Obrigada pela menção, tb curto muito a página cinco!
Fiquei babando nesse seu curso do sesc mas esse semestre n consigo. Torço por outras edições ⚡️