A arte segundo aplausos e estrelinhas
Média de estrelas ou minutos de palmas não significam nada
Estamos na época do ano em que rola um dos fenômenos mais intrigantes da arte: as palmas de Cannes. Se tal filme é bom? Ora, basta ver por quanto tempo ele foi aplaudido.
Cinco minutos? Não deve ser lá grandes coisas. Oito, nove minutos? Talvez mereça atenção. Aplausos acima de dez minutos viram matérias entusiasmadas. Mais de vinte minutos de aclamação? Estamos diante de um dos maiores filmes da história, certamente.
Sei lá. Todo mundo gosta de ser aplaudido pelo seu trabalho. Mas uma linha tênue separa o reconhecimento eventualmente merecido de um festejo constrangedor. Quando a coisa vai um pouco além, palmas incessantes passam a ter jeitão de deboche.
Os aplausos de Cannes se conectam com uma tolice do mundo literário. Uma besteira mencionada na edição passada da newsletter. Aproveito que ando meio ranzinza para falar um pouco mais sobre o meu desgosto pelas estrelas para livros.
Uma besteira cada vez mais importante, o que é uma pena. Tem uma penca de leitor que se guia por essas notas, principalmente na hora de comprar na Amazon.
Também pudera, já teve até autor e editor importante rebatendo crítica super embasada com um “o livro é bom sim, olha aqui a nota na Amazon”. Vai ver, acham mesmo que o pavoroso “A Biblioteca da Meia-noite”, de Matt Haig (Bertrand, 4,7 estrelas no site do Bezos, aqui minha resenha) é ligeiramente superior ao muito bom “A Jangada de Pedra”, do Saramago (Companhia das Letras, 4,6 estrelas).
Média de estrelas não quer dizer absolutamente nada, ainda mais em plataformas onde leitores dão nota alta porque o livro chegou no prazo ou nota baixa pois pensam que faltou cuidado editorial ao não revisarem Saramago. Mesmo em outros casos (jornais que insistem na prática, por exemplo), essas medições não deveriam ter tanta importância assim.
A literatura é feita de nuances. E os detalhes também devem ser valorizados na recepção da arte. É de uma miséria intelectual absurda bater o olho numa nota qualquer e achar que aquilo é suficiente para se ter uma ideia do que é o livro, de quais são suas virtudes ou deslizes. O mesmo vale para a minutagem de palminhas no balneário francês.
Tanto faz a quantidade de estrelas ou de aplausos. O que importa é quem dá o parecer e, sobretudo, quais são os pontos que embasam a avaliação. Daí a minha birra com a coisa. Muita gente troca o essencial (a argumentação e a discussão) por uma redução que finge facilitar a vida do leitor, mas acaba por habituá-lo a uma cômoda mediocridade.
Entender o que leva um livro a ser aclamado ou achincalhado também é papel do bom leitor. O mesmo vale para o cinema e seus espectadores. Palminhas e estrelinhas, por si só, não querem dizer absolutamente nada.
Clube de Leitura Página Cinco
Em fevereiro nós tivemos um excelente papo sobre “Detalhe Menor”, da palestina Adania Shibli (Todavia, tradução de Safa Jubran). Em abril, outra conversa ótima, desta vez sobre “A Casa de Barcos”, de Jon Fosse (Fósforo, tradução de Leonardo Silva Pinto).
Já em junho, no dia 16, papearemos sobre “Te Dei Olhos e Olhaste as Trevas”, de Irene Solà (Mundaréu, tradução de Luis Reyes Gil).
O Clube de Leitura da Página Cinco é exclusivo para os leitores que contribuem com uma grana para a newsletter. Aqui está a relação dos livros que já lemos.
Espero que você possa se juntar ao Clube. E se não puder ou não quiser participar, mas vê valor no meu trabalho, considere colaborar com a Página Cinco.
Clube do Livro Sesc Paulista
Quarta, dia 28, às 19h30, tem papo sobre “Me Chama de Cassandra”, de Marcial Gala (Biblioteca Azul), no Clube do Livro do Sesc Av. Paulista, que eu coordeno e faço a mediação dos encontros. A convidada da vez será a crítica literária Tamy Ghannam.
É de graça. Apareçam!
Papo com Amara Moira e Marco Hauréllio
Domingo, dia 25, às 8h (sim, da manhã), tem papo com a Amara Moira e o Marco Hauréllio na Biblioteca Mário de Andrade.
Também é de graça. Apareçam!
Ler não é só elogiar
O Nathan Matos, do canal Literatura Br, fez um vídeo dialogando com a edição passada da newsletter. Vale assistir:
O grande Pepe Mujica
“No futuro, seremos vistos como bárbaros. Apenas as sociedades que tiveram Mujicas como líderes se salvarão do constrangimento de não ter esses três assuntos definitivamente resolvidos à Pepe.
No Brasil ocorre um fenômeno lamentável. Basta um político com essas convicções ganhar uma eleição para começar com "veja bem". O obrigatório banho de loja do marketing eleitoral custa um programa de governo anódino”,
escreve sobre o grande Pepe Mujica:O grande Pepe Mujica
“Às vezes pendo para os limites, às vezes descambo para as aberturas, nesse vai e vem sigo exercitando, semana a semana, a busca por um equilíbrio e, de tudo que conheço sobre a trajetória de Pepe Mujica, talvez um dos elementos que mais me atrai a atenção e escolhi para dar título ao texto de hoje é o que chamei de sobriedade inflamada (o que também pode ser lido como equilíbrio)”,
escreve sobre o grande Pepe Mujica:O grande Pepe Mujica
“Nos últimos anos, Pepe foi parando devagarito. Abandonou o Senado em 2020. Disse que a velhice o pegou. Disse que o amor ainda era seu motor. Nunca reclamou da morte. Sabia que ela vinha, como tudo vem — “como uma visita que não manda recado”. Continuou colhendo flores, conversando com jovens que apareciam nos portões de sua chácara e o viam como um avô gentil com alma de revolucionário”,
escreve sobre o grande Pepe Mujica:📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝 65% da população não consegue ler direito: como fica a literatura?
📝 Poesia: um livro e uma autora que merecem a sua atenção
📝 Pepe Mujica: entre Dom Quixote e as borboletas de Gabo
📝 24h de livros: uma Virada Literária dentro da Virada Cultural de São Paulo
🎙️ Por que falar dos clássicos? Papo com
:
Acho que a questão vai além das estrelinhas, não existe mais crítica ou análise, tudo virou apenas uma orientação de consumo. E plataformas de avaliação (Google, Goodreads no caso dos livros, TripAdvisor) fazem esse papel sem as pessoas precisarem pensar muito para comprar ou não um livro, escolher um lugar para viajar... Triste, mas é a realidade.
Ótimo texto, merece 4,5 estrelas!