A importância de “falar mal” de livros
Não estamos aqui para distribuir sorrisos tontos nem palmas impostas
Outro dia, observei nas redes como muita gente pede desculpas antes de falar que não gostou de um livro. Não precisa se desculpar, pô. Todo mundo é tão livre para distribuir elogios quanto para compartilhar seus desgostos sem licenças ou perdões.
Algumas pessoas me escreveram para questionar o meu ponto. Diziam que seria melhor engolirmos as críticas. Que nos dedicássemos a mostrar aos outros aquilo que vale a pena ser lido e deixássemos pra lá os livros que não curtimos.
Acho essa ideia cômoda e um tanto perigosa. Os comentários negativos, um tuíte, um post no Instagram, têm a sua importância. E a boa crítica consegue iluminar diferentes pontos de uma mesma obra, reconhecendo seus eventuais méritos e apontando os defeitos.
Penso no primeiro nos comentários.
De tempos em tempos surge um novo livro que parece ser elogiado por todo mundo. Algum exemplo recente vem à sua mente, tenho certeza. Quem passeia pelas redes sociais é bombardeado por gente falando de uma leitura primorosa, imprescindível. É saudável desconfiar de tantos festejos.
Os comentários negativos, tão despretensiosos quanto os elogios infundados, servem para mostrar que há dissonância entre os leitores e que tais livros não são tão unânimes assim. Quando alguém fala mal de um livro extremamente elogiado, sempre aparece outra pessoa para comentar: poxa, pensei que só eu não tivesse curtido.
Há leitores que ficam intimidados para dizer “li e achei ruim”, ainda mais quando só vê confetes por aí. É uma pena. Todo leitor tem tanto direito de ler e dizer “gostei” quanto de dizer “não gostei” sem se sentir acuado.
Vale a pena nutrir a possibilidade da divergência, ainda mais onde tudo parece ser uma maravilha, imperdível, perfeito e a cada semana pinta um novo melhor livro de todos os tempos.
Penso em programas de auditório, quando pessoas com sorriso forçado aplaudiam qualquer bobagem que os assistentes de palco ordenavam que aplaudissem. Não estamos aqui para distribuir esses sorrisos tontos nem aclamações impostas.
É bom irmos além da reação rasteira.
Com a crítica, a coisa ganha nuances. Importante dizer, aqui penso em crítica como um espaço em que alguém se dedica a falar com mais profundidade sobre determinado livro, extrapolando a mera apresentação da obra seguida de um parecer.
Esse gostei ou não gostei, aliás, é até dispensável numa crítica bem feita, que não deve ser reduzida a uma quantidade de estrelinhas ou, pior, a guia de compras. Não cabe à crítica dizer ao consumidor o que fazer com seu dinheiro, mas ajudar o leitor a pensar a literatura.
Ao escrever resenhas apontando problemas em certos livros, costumo receber mensagens de outros leitores dizendo que, a partir do meu texto, conseguiam compreender melhor seus incômodos.
Mais do que isso: às vezes me chegam mensagens de pessoas que discordam da conclusão justamente por causa da minha argumentação. Enxergam como virtude algo que encaro como problema. E está tudo bem. Adora livros maniqueístas ou literaturas em que o escritor explica absolutamente tudo, num medo tremendo de perder o leitor? Beleza, delicie-se aí.
Em todo caso, como escrevi em outra oportunidade, não devemos confundir a crítica a um livro com ataques ao seu autor ou mera estupidez performática, como muitos gostam de ver. O respeito é sempre fundamental.
E poder falar com tranquilidade daquilo que não gostamos é uma forma de respeito. Respeito com a própria literatura e, acima disso, respeito com nós mesmos e com os demais leitores.
E você, o que pensa disso?
Clube de Leitura Página Cinco
Em fevereiro nós tivemos um excelente papo sobre “Detalhe Menor”, da palestina Adania Shibli (Todavia, tradução de Safa Jubran). Em abril, outra conversa ótima, desta vez sobre “A Casa de Barcos”, de Jon Fosse (Fósforo, tradução de Leonardo Silva Pinto).
Já em junho, no dia 16, papearemos sobre “Te Dei Olhos e Olhaste as Trevas”, de Irene Solà (Mundaréu, tradução de Luis Reyes Gil).
O Clube de Leitura da Página Cinco é exclusivo para os leitores que contribuem com uma grana para a newsletter. Aqui está a relação dos livros que já lemos.
Espero que você possa se juntar ao Clube. E se não puder ou não quiser participar, mas vê valor no meu trabalho, considere colaborar com a Página Cinco.
Rigor X grosseria
“Muita gente confunde crítica com grosseria. Tem um pessoal que cresceu vendo Paulo Francis e não sabe discernir olhar severo de estupidez performática. Uma estupidez que costumamos encontrar também em programas de televisão onde participantes são expostos ao escárnio de julgadores. Valoriza-se mais o achincalhe midiático do que qualquer construção argumentativa. É tosco.”
“Nunca gostei de Crumb”
“Como eu disse, não gosto dos quadrinhos de Crumb. Sua competência técnica é inegável, quebrar aqueles tabus na época em que ele quebrou foi uma puta coragem e etc. Mas acho os quadrinhos muito narcisistas, a relação com as mulheres chega sim na misoginia, não consigo embarcar no humor, fico irritado com o que me parece a falta de planejamento das páginas, com o improviso, as histórias que terminam de qualquer jeito só porque ele cansou” - do
Resenha negativa
“A resenha negativa começa uma conversa. Ela é a deixa para o mais benigno dos duelos, travado entre as línguas mais afiadas: a rinha literária. Por que um livro é ruim? Por que um livro é bom? Saquem suas espadas de brinquedo. Há sangue de ketchup para derramar” - da
O amor de Jorge e Zélia
“Logo, a visita de um poeta marcaria um dos momentos mais bonitos daqueles dias. Na volta de um jantar em homenagem a Pablo Neruda — convidado especial do comício no Pacaembu para saudar Luís Carlos Prestes —, Jorge pediu para o motorista parar o táxi em frente ao Theatro Municipal e desceu em direção às floristas. No banco de trás, Neruda presenciou uma cena que jamais esqueceria: La lluvia de claveles rojos en la madrugada. Jorge Amado cobriu Zélia Gattai com uma chuva de cravos orvalhados” - belo texto de Marga Dambrowski para o Correio IMS.
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📝 “Como faz para ser neomarginal?”, parças e as bolhas da literatura
🎙️ Um megafone para a poesia brasileira contemporânea - papo com Bruna Beber:
"E a boa crítica consegue iluminar diferentes pontos de uma mesma obra, reconhecendo seus eventuais méritos e apontando os defeitos."
Acho que o ponto está aqui. Há uma dificuldade em se fazer uma crítica desassociada da opinião pessoal. Já vi um livro avaliado com uma estrela na Amazon e a justificativa foi "não era o que eu esperava".
E aí vem uma questão de formação: as pessoas sabem de fato o que é uma crítica? Sabem que você pode avaliar uma obra sem necessariamente entrar no mérito de "gostei" ou "não gostei"?
Faço esses questionamentos no lugar de alguém que ainda está aprendendo tudo isso. Talvez por isso eu tenha levantado tantas perguntas e nenhuma resposta hahaha
Abraço, Rodrigo!
concordo com você: todo mundo tem direito à opinião, seja positiva ou negativa. acho que o importante é cada um tentar compreender os motivos pelos quais gostou ou não gostou de determinada obra. a pluralidade de opiniões torna só torna o debate mais rico, sobretudo quando são bem embasadas.