Desde 2014 que escrevo para um portal gigantesco, o Uol. Logo criei casca para aguentar as pedradas das redes e caixas de comentários. Ainda assim, às vezes pintam mensagens que me deixam pensativo, um pouco pra baixo.
A morte de Franz Kafka completou 100 anos no começo do mês. Escrevi uma coluna sobre o poder de influência do tcheco e convidei todo mundo para se entender com o cara. É um desperdício saber ler e não dedicar algumas horas de uma vida inteira a Kafka.
Então pintaram comentários na linha de que Kafka não seria um autor para todo mundo. Ora, o que isso quer dizer? Que quem não consegue compreender um escritor hoje está fadado a jamais compreendê-lo?
Não caiam nem se acomodem nesse papo, por favor. Não se subestimem nem subestimem os demais leitores. Tenham brio, como diria o Clóvis de Barros Filho num vídeo que pipoca pelas redes.
Há leituras mais fáceis do que outras, claro. Há caminhos mais afáveis para se seguir mesmo se olharmos para um único universo. Penso em David Foster Wallace, por exemplo.
Os ensaios de “Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio que Longe de Tudo” são uma boa introdução ao estilo e às ideias do escritor. A radicalidade de “Graça Infinita” certamente exigirá uma dedicação maior de qualquer leitor. Há um meio-termo nos contos de “Breves Entrevistas com Homens Hediondos”.
Assumir a complexidade é uma coisa, dizer que o romanção de lombada alaranjada não é para todo mundo é outra bem diferente. Somos todos leitores em eterna formação. Dificuldades com certos textos fazem parte dessa caminhada.
Pensar que uma literatura ou outra não é para mim seria assumir que sou incapaz de me aprimorar enquanto leitor, de enfrentar e vencer desafios que se apresentam. É furada ficar numa zona confortável e se apoiar na autocomplacência para recusar certas literaturas.
Sabe ler? Então tenha ambição intelectual, pô. Está com dificuldades? Procure por ajuda. Não deu certo desta vez? Tente mais tarde. Não rolou? Espere um tempo e tente de novo. Nem que seja para, depois de compreender o que parecia indecifrável, encher o peito para dizer: li, entendi e não gostei.
Sequer vejo Kafka como desafio dos maiores. “O Castelo” e “O Processo”, remendados após a morte do tcheco, são romances um pouco mais exigentes. Mas “A Metamorfose” e boa parte de seus contos são bem tranquilos de ler.
“Blumfeld, Um Solteirão de Mais Idade e Outras Histórias” e “Na Colônia Penal”, outro texto longo, são boas portas de entrada. Menos óbvias do que a ótima novela em que Gregor Samsa acorda transformado num bichão estranho.
É legítimo se perder pelos labirintos de Borges ou pelos fluxos de consciência de Virginia Woolf. Confundir-se nos emaranhados de Dostoiévski e achar Proust arrastado demais.
Não é tranquila a epopeia de Joyce em seu “Ulysses”. Sim, demoramos a nos acostumar com o estilo de Saramago. Podemos estranhar um pouco o português de séculos atrás de Machado e sentir desnorteio com a Clarice de “Paixão Segundo G. H.”
Daí a pensar que somos incapazes de ler esses monumentos há uma distância enorme. Não sejamos medíocres, não podemos nos satisfazer com pouco.
Podem concordar ou discordar lá nos comentários.
Clube de Leitura P5
Temos os próximos livros do Clube de Leitura da Página Cinco!
Em setembro leremos “Diorama”, da Carol Bensimon (Companhia das Letras).
Em novembro será a vez de “Cidadã de Segunda Classe”, da nigeriana Buchi Emecheta (Dublinense, tradução de Heloisa Jahn).
E temos dois encontros já marcados:
No dia 24 deste mês, junho, às 20h, nos reuniremos para o papo aberto com direito a conversa sobre um filme: EO, de Jerzy Skolimowski.
Já o encontro de julho, reunião do Clube de Leitura da Página Cinco, será no dia 25, também às 20h. O livro da vez, como sabem, é “Afirma Pereira”, de Antonio Tabucchi (Estação Liberdade).
"Não pronunciamos nenhuma vez a palavra aborto, nem ele nem eu. Era uma coisa que não tinha lugar na linguagem".
Trecho de “O Acontecimento” (Fósforo, tradução de Isadora de Araújo Pontes), livro em que Annie Ernaux expõe as marcas deixadas pelo aborto clandestino que fez na juventude.
Abortar não é crime na França desde 1975.
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“Meu ímpeto é sair correndo, ajudar todo mundo. O caso é que todo mundo é muita gente, e muita gente querida, talentosa, generosa. E há a preocupação com os entulhos, o destino do lixo, as doenças oportunistas, o clima, a ameaça de nova tragédia, a política, o descaso, a mão grande do mercado que lucra até mesmo em tempos horrorosos. Por isso tudo e tanto mais, guardo os escrúpulos e peço que sigam ajudando, apoiando, compartilhando”.
Mais da situação do Rio Grande do Sul por
na news Clube de Leitura Escuro Medo:Leituras que nos desagradam
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O chamado de
às leituras intranquilas na Anacronista:Literatura do Eu
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Oscar Nestarez analisa Stephen King na Terra Treva:
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝 Saber ler? Então leia Franz Kafka
📝 Resenha de “O Vício dos Livros”, de Afonso Cruz (Dublinense)
📝 Anthony Bourdain inspira a comer e beber bem antes do inevitável final
📝 Em breve será difícil ler livros novos completamente livres de inteligência artificial
🎙️ Coleção Vaga-Lume, Murilo Rubião e outras histórias no papo com Jiro Takahashi:
Esse ano meu desafio é Grande Sertão, por causa da faculdade. Já tentei umas duas vezes e não rolou. Acredito mais em momentos de leitura do que qualquer outra coisa. Também é preciso soltar a mão do controle de entender tudo. Não sou crítica literária e nem a maioria das pessoas é. Acima de tudo, quero ser uma leitora perene :)
Muito obrigada pela indicação, lisonjeada e desacostumada estou, rs.
beijoca.
Gostei! Mês que vem inicio uma leitura conjunta de Grande Sertão Veredas, aqui na minha cidade, Ribeirão Preto. Segunda tentativa com esse livro e há alguns outros que abandonei por serem difíceis pra mim, quero voltar a eles em algum outro momento. Seguir nessa formação inacabada...