Notas para a definição de um bom leitor
“A literatura não depende de leitores ideais, mas apenas de leitores suficientemente bons” - Alberto Manguel
O bom leitor sabe que é saudável colocar as próprias certezas na berlinda, seja para revisá-las, seja para fortalecê-las.
Da mesma forma, o bom leitor questiona e reflete a respeito do que lê.
Não só isso. O bom leitor reflete sobre si enquanto leitor.
O bom leitor sabe que a leitura literária é diametralmente oposta à leitura dogmática, fundamentalista.
O bom leitor sempre desconfia de verdades absolutas, que soam talhadas em pedra.
O bom leitor se empolga ao encontrar um grande livro. Indica a obra para todo mundo, às vezes marca na pele um trecho do texto. Mas, ao reler, se for o caso, muda de ideia e reconhece que aquela maravilha não era tão maravilhosa assim.
Saber que leituras não se repetem e que um livro pode soar fantástico aos 17 anos, interessante aos 25 e modorrento aos 30 e tantos é uma virtude do bom leitor.
O bom leitor é consciente da própria ignorância. Tem noção de que construir intimidade com certa literatura implicará deixar de lado tantos outros caminhos possíveis.
Essa ignorância não intimida e muito menos serve de desculpa para deixar o bom leitor acomodado. A ideia é ser um pouco menos ignorante a cada dia. Ou um pouco mais consciente do quanto ainda há para se conhecer.
O bom leitor ouve e pondera a opinião de outros leitores - e sabe pegar para si o que faz sentido ou não na argumentação.
Cruzar essas opiniões com as próprias leituras é uma forma do bom leitor ampliar a maneira como compreende e dialoga com o mundo.
O bom leitor tem consciência de que o enredo é apenas um dos elementos de uma obra de arte, por isso não melindra com spoiler.
O bom leitor sabe que a leitura vai além de juntar palavras e formar frases.
E também compreende que a literatura é um jogo aberto.
O bom leitor sabe valorizar as tensões que existem na recepção da arte. E aproveita essas tensões para formar a sua visão sobre determinados livros ou assuntos.
O bom leitor conhece o próprio gosto ao mesmo tempo em que desconfia desse gosto. Esse leitor questiona por que gosta de determinadas literaturas, mas não de outras.
Focar nos interesses mais latentes ao mesmo tempo em que busca desbravar novas literaturas é um malabarismo que bons leitores costumam fazer.
O bom leitor sabe: humor e ironia são recursos preciosos, por isso os valoriza.
Um bom leitor está sempre em dívida com os clássicos, que parecem nunca se esgotar.
A literatura contemporânea costuma estar no radar dos bons leitores. Esses leitores irão pavimentar o caminho para que alguns livros de hoje se tornem clássicos amanhã.
Saber que nem 120 anos de vida serão suficientes para que consiga ler todos os livros que deseja é uma aflição com a qual bons leitores precisam lidar.
O bom leitor confia que a literatura estará viva enquanto tivermos leitores suficientemente bons.
Manguel e os bons leitores
Quando escrevi sobre o que eterniza um livro, alguns leitores me questionaram: o que seria, afinal, um bom leitor? É uma questão que vive rondando minha cabeça. Começo, então, a esboçar caminhos possíveis.
O diálogo, claro, é com “Notas Para Uma Definição do Leitor Ideal”, do camarada Alberto Manguel. Nesse texto que ele aponta: “A literatura não depende de leitores ideais, mas apenas de leitores suficientemente bons”.
Quer colaborar com mais notas para definirmos um bom leitor? Só deixar nos comentários.
McCarthy
Nesta semana perdemos o estadunidense Cormac McCarthy, escritor gigantesco, dos maiores de nosso tempo. Fica a literatura, uma obra com livros fáceis de recomendar: “A Travessia”, “A Estrada”... O monumental “Meridiano de Sangue” é daqueles livros que todos bons leitores merecem ler.
Deixo um papo recente que bati com o Daniel Galera sobre a obra de McCarthy:
Off Flip
Tive a felicidade de participar do júri do Prêmio Off Flip deste ano na categoria Crônica. O texto premiado foi “O Grande Saque”, da carioca Andrea Dórea (quase homônima a uma das minhas músicas favoritas da Legião).
Dividi o júri com o escritor e curador Ovídio Poli Junior, que faz um trabalho importante paralelo à Flip, a famosa festa de Paraty. Participar de júris sempre traz a oportunidade de respirar novos ares literários. Desta vez não foi diferente.
Jovina Benigno, do Ceará, e Antônio de Pádua Barros, de Pernambuco, venceram as categorias Conto e Poesia do Prêmio Off Flip. Aqui mais informações.
Curso sobre Dostô
A Raquel Toledo, professora, crítica literária e mestra em literatura russa, está com turma aberta para um curso sobre Dostoiévski focado na leitura e interpretação de “Irmãos Karamázov”, um dos grandes clássicos do barbudo. Serão 11 encontros entre junho e agosto (o primeiro rolará dia 20). Eis as informações completas.
Tem papo com a Raquel sobre Dostô lá no podcast:
🐄 Vaquinhas
Dois projetos no Catarse que valem a atenção.
A Bandeirola passa o chapéu para lançar dois livros de não ficção, um de Braulio Tavares e outro de George Amaral. Em comum, ensaios com olhares plurais e originais para a literatura.
Já a Grande Área levanta uma grana para publicar no Brasil “Maradona - De Diego a D10S”, biografia do craque que deixou os ingleses no chão escrita pelo jornalista espanhol Guillem Balague.
🍺 Uma cerveja
Tem cervejaria nova aqui para os meus lados: a Garagem 632. A Session IPA deles está uma beleza para encher o growler e levar para tomar em casa - e, fundamental, sem precisar fazer um financiamento para pagar por ela.
📢 O que mais rolou na Página Cinco
📝 Resenha de “Casas Vazias”, da mexicana Brenda Navarro (Dublinense).
📝 Uma exposição sobre a ditadura chilena que vale a visita para quem está em São Paulo.
🎙️ Histórias de um livreiro no papo com José Luiz Tahan:
📝 Audiolivros e as nuances que a tecnologia traz para a literatura.
📝 Um bom olhar para A Feira do Livro, que rolou em São Paulo.
🎙️ A tal família tradicional brasileira no papo com Carol Bensimon, autora de “Diorama” (Companhia das Letras):
Desde criança, sempre gostei de ler. Lembro de passar horas mergulhado em livros de aventura e ficção científica. No entanto, com o passar dos anos, percebi que minha relação com a leitura havia se tornado mais superficial. Eu lia apenas por trabalho, sem me importar muito com a qualidade do que estava lendo, acho que a escola e a universidade faz um pouco disso com a gente.
Comecei a buscar livros que me desafiassem e passei e retomei uma um tipo de leitura quase cocriadora. Digo, uma leitura de diálogos internos, de provocações, voltei a exercitar o senso crítico e buscar entender as intenções do autor e as suas subjetividades, um caminho sem volta!
Parabéns pela news!
Um bom leitor é cercado de livros ainda que não os leia. Vai a livrarias por gosto, hábito e por necessidade, inclusive aquelas nem tão charmosas.
Vesti honrada a carapuça de boa leitora ♥️
Adorei e já espalhei seu texto por aí!